segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O Real de Pelé

Por ROBERTO VIEIRA

Madri, 23 de outubro de 2008.

Os torcedores do Real Madrid trazem um bolo gigantesco para o Rei. Mas não é o Rei Juan Carlos quem faz aniversário. É um outro Rei. O homem que transformou a história do futebol espanhol e europeu com seus mil gols.

Mas nossa história começa há 55 anos...

1953. O olheiro telefona para Santiago Bernabéu e avisa: "Esqueça Di Stefano e Nestor Rossi! Eu descobri um gênio!"

A estática, a ligação entrecortada, a dúvida. Como cancelar o negócio com ‘La saeta rubia’? Como cancelar o negócio com o homem que comandara o Millionarios ali mesmo em Madri naquele humilhante 4x2?

"Ele tem 12 anos!"

Agora Santiago tem absoluta certeza que seu amigo e olheiro enlouquecera no calor dos trópicos. Ligar do Brasil pra dizer que um niño de 12 anos poderia ser melhor que Di Stefano.

"Mas tem um problema."

Bem, agora ele ia dizer que era uma brincadeira. Quando Santiago se prepara para demitir o seu homem de confiança...

"A mãe não deixa sair de Bauru. E ele é negro como o diamante."

Santiago Bernabéu foi jogador de futebol. E quando pensou que sabia tudo sobre ser um atacante conheceu Leônidas. Anos antes o uruguaio Andrade já desfilara seu talento pela Europa.

Santiago era um homem de negócios. Um apaixonado pelo Real, mas um homem de negócios.

"Um novo Leônidas!"

Desligou o telefone. Durante anos colocara pessoas em todo o mundo procurando uma resposta para seus sonhos. E a resposta tinha vindo ao seu encontro ali mesmo em Madri quando o Millionarios vencera o Real Madrid duas vezes.

Ele queria Di Stefano e Rossi. Mas o River Plate era o dono do passe. A liga pirata estava chegando ao fim na Colômbia.

Nestor Rossi disse não.

Aquilo deixou Santiago Bernabéu incrédulo.

Di Stefano assinou com o Barcelona.

Enquanto isso uma carta chegava do Brasil com uma foto do menino negro. Pobre e magro. Um engraxate, dizia carta. Mas havia algo naquele olhar. Algo bem maior que o tempo, bem maior que o simples olhar de uma criança. E Santiago lembrou os seus dias de criança quando sonhava jogar no Real Madrid.

Ele também possuía aquele olhar.

Por debaixo dos panos Santiago Bernabéu iniciara uma tramóia visando seqüestrar Di Stefano. Se o argentino jogasse mal no Barcelona talvez fosse renegado com uma farsa.

O presidente tinha as pesetas. Tinha Franco. Tinha o poder. Ninguém sabia, mas um dos seus homens já tentava seduzir até Ferenc Puskas.

A ligação demorou algumas horas para ser completada. Ele confiava cegamente em Sanchez. Ambos combateram na selvagem Guerra Civil. Talvez ele não estivesse louco afinal.

E afinal, a vida deve ter emoção!

Alguns milhares de dólares entraram na conta do pequeno Bauru Atlético Clube.

Dondinho e Maria Celeste viajaram pela primeira vez de avião.

O Santos ficou Santos mesmo. Nunca foi realmente páreo para o trio de ferro.

Di Stefano seguiu carreira na companhia de Evaristo, Kocsis e Czibor. Ganhou alguns títulos. Nada de tão especial.

Pelo menos nada que pudesse se comparar ao reinado do ataque formado por Canário, Kopa, Puskas, Pelé e Gento.

A França agradecida foi campeã mundial em 1958 e 1962.

O Brasil permaneceu com seu complexo de vira-latas.

Já que tempos depois os italianos da Juventus levaram Mané Garrincha. Com Elza Soares e tudo.

0 comentários: